Enquanto continuam a passar iguais e cada vez mais lentos os dias neste tempo de isolamento e de estado de emergência, que já se estende há cerca de um mês e se prevê que seja renovado pelo menos
até ao princípio do próximo, é ainda muito pouco claro como poderá vir a dar-se a tímida e prudentemente anunciada
reabertura. Nestas circunstâncias, há que desenvolver estratégias para não nos deixarmos abater pela solidão e, especialmente, pelo aborrecimento.
A mim, o que me tem ajudado a melhor ocupar os dias é a cozinha. E de tal modo me tem ajudado, que tenho pensado que deve ser bem mais difícil estar encerrado em casa, para quem não sabe ou não gosta de cozinhar.
Não fiz ainda pão, como vejo nas redes sociais que muita gente terá feito, levando até ao desaparecimento do fermento em alguns dos supermercados. Afinal a ida à pequena padaria de Melides é a única saída para compras que me dá algum prazer. Pelos cuidados mostrados na higienização de tudo em que tocam os clientes e a faladora moça que nos atende, como pelo magnífico aroma a pão alentejano -bem cozido- que nos chega, apesar do atendimento ser agora à porta.
Também não fiz bolos, que nunca fui grande doceira ao contrário da minha mãe, irmã e filha. Aliás ser-me-ia impossível fazê-los, mesmo que o quisesse. É que esse meu pouco interesse por doces -partilhado pelo L- levou a que não tenhamos sequer uma balança nesta casa. E toda a gente sabe que os bolos exigem quantidades de ingredientes rigorosamente pesados. Pelo sim e pelo não, já está anotada a necessidade da compra de uma.
O meu prazer culinário é a confeção de almoços e jantares, com base no arroz, mas também nas massas, batatas, ou legumes.
Arroz de polvo -mesmo que este tenha sido comprado já pré-cozido- confecionado com um bom refogado de cebola branca e uma folha de louro, finalizado com bastante salsa fresca picada;
Arroz de ervilhas, ou de tomate e pimento, para acompanhamento de qualquer carne ou peixe, grelhados ou fritos;
Arroz de frango, estufado apenas com vinho e sem tomate, um sabor da minha infância levado por mim e pela minha mãe para a infância dos meus filhos;
Arroz de peixe, com um acabamento de um bom molho de coentros frescos picados;
Massa de peixe, feita sobre um refogado de tomates e pimentos cortados em cubos e temperada com orégãos;
Couscous, em taboulet com cebola, tomate e outros legumes que se tenham à mão e temperados com hortelã fresca, ou misturados com cogumelos passados na frigideira em azeite, alho e coentros;
Grão em salada de bacalhau cru, ou com batatas e bacalhau cozido, ou em sopa feita na água de cozedura de carne e enchidos;
Feijão estufado com bacon, para acompanhar carne de porco frita;
Tortilha de batata e cebola, com ou sem umas rodelas do salpicão que ainda resiste desde o último fim de semana que o L passou comigo aqui na Galé;
Saladas variadas, algumas com atum ou sardinhas em conserva;
Sopas com quaisquer legumes que haja no frigorífico;
(...)
Não me preocupa especialmente que os meus dias atuais decorram entre atividades sem grande significado e que exigem muito pouco esforço intelectual. Como li
num texto de Richard Zimler, focarmo-nos em coisas pequenas, de pouca importância e atemporais, pode ajudar-nos a não entrar em pânico e a sentirmo-nos em sintonia com o resto da humanidade.
E assim se passam os longos dias de confinamento, fintando o tempo cinzento que teima em estar lá fora.
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