29/04/2020

REGRESSO

Após 45 dias de separação e sabendo que o período atual do estado de emergência, que termina no próximo fim de semana, não seria renovado, estávamos convictos que o L poderia finalmente vir ter comigo à Galé, mas fomos surpreendidos com o anúncio da proibição de deslocações entre concelhos no  fim de semana do 1º de maio. Por isso decidimos, continuando a não incumprir qualquer das normas em vigor, que irei eu a Lisboa passá-lo na nossa casa principal.
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Depois hei de voltar, independentemente do que hoje for decidido sobre os termos das nossas deslocações. Afinal estou farta de ver chegar e partir gente que aqui tem segundas habitações e que decidiu interpretar de uma forma elástica os decretos que têm executado os estados de emergência, fazendo-o com um suficiente grano salis para os tornar mais saborosos.
Sim, tem havido quem preferisse defender-se ficando em casa, mas tenha que sair. E há quem devesse ficar em casa, mas tenha andado por aí. Nós adotámos um comportamento irreprensivelmente legalista durante estes últimos 45 dias. 
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21/04/2020

SEMPRE À MÃO TENHO AGORA UM TERMÓMETRO

 E O COMPUTADOR ABERTO NAS NOTÍCIAS DO DIA               .
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Ganhei coragem e, para memória futura, vou aqui registar os gestos após Covid 19 a que passei a obrigar-me, não distinguindo entre os que se justificam plenamente e aqueles sobre os quais há dúvidas. Nem sequer escondendo os que sei de antemão que me irão parecer completamente ridículos num futuro que desejaria que fosse próximo. Afinal é também desses complicados procedimentos, ou especialmente desses, que se fazem agora os meus dias.
Sair para fazer compras exige preparação e todo um conjunto de cuidados novos. Saliento que não encontrei até agora luvas descartáveis e  não usei ainda máscara. As luvas alterarão alguns dos cuidados a que me obrigo, a máscara não. 

À saída:
Vestir um casaco que, ao chegar, despirei no patamar das escadas exteriores da casa e onde o manterei depois por 48 horas pelo menos;
Colocar num dos bolsos o cartão multibanco e noutro alguns lenços de papel, ao pé do frasco de álcool gel;
Levar o telemóvel, que pode vir a ser preciso, mas saber que o deixarei no carro, não entrando com ele na mão em nenhum dos espaços a que tenha que me deslocar, por não saber como poderei depois tratar da sua adequada desinfeção;
Calçar os sapatos no patamar e deixar aí o calçado de andar por casa;
Pegar em dois ou três sacos de compras que mantenho fora de casa e sair.

Nas compras:
Usar um dos lenços que meti no bolso para com ele, se não houver ninguém a fazê-lo à minha frente, desinfetar o carrinho de compras que usar;
Evitar manusear os produtos sempre que isso seja possível e escolher preferencialmente os que estejam já embalados;
Não tocar, em qualquer circunstância, com as mãos na cara durante todo o tempo em que estiver a fazer as compras e até poder lavá-las ou desinfetá-las novamente;
Evitar a todo o custo cruzar-me no mesmo corredor com outros clientes;
Manter uma distância de pelo menos 2 metros entre mim e as outras pessoas nas filas para pagamento;
Usar um novo lenço para proteger as mãos ao tocar nas teclas do multibanco no momento de pagar e deitá-lo imediatamente fora, como terei feito com os usados anteriormente;
Arrumar as compras, recolocar o carrinho no lugar e desinfetar novamente as mãos com álcool gel antes de entrar no carro.

No regresso a casa:
Colocar os sacos de compras no patamar exterior da casa;
Despir o casaco que usei, deixando-o aí, e trocar de calçado;
Retirar uma a uma as compras de dentro dos sacos, lavando tudo o que seja possível lavar com água e lixívia;
Quando os sacos ficarem vazios, dependurá-los ao ar, fora de casa;
Arrumar tudo, desinfetar a bancada onde pousei as compras e lavar novamente as mãos;
Mudar de roupa e colocar  no estendal exterior a que não seja para lavar imediatamente e lavar uma vez mais as mãos.

Dentro de casa, quando não tenho compras a fazer, o dia decorre de uma forma relativamente normal, entre as tarefas domésticas -especialmente a cozinha, como já escrevi num post anterior- e as do jardim nos dias de sol. Mas o computador aberto em sites de notícias e no twitter tornou-se uma constante, bem como as anotações das flutuações dos números e do humor, numa agenda anual.
E se, por acaso, sentir algumas dores de cabeça -o que é comum em estados de tensão- ou as dores musculares e reumáticas que me são habituais se agravam, vigio de imediato a temperatura, não vá o diabo tecê-las...
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Apesar de tudo, estou a adaptar-me a este novo (a)normal. E até já consigo adormecer sem a insuportável angústia inicial, embora acordar a meio da madrugada se tenha tornado recorrente. Bem longe, porém, das manifestações de ansiedade de quem se sente completamente incapaz de lidar com a situação e que têm vindo a  preocupar as autoridades de saúde nacionais e internacionais.
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19/04/2020

QUINTO FIM DE SEMANA DE RECOLHIMENTO DOMICILIÁRIO

TRINTA E CINCO DIAS DEPOIS               .
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Neste fim de semana, talvez porque se tenha instalado alguma confusão no que respeita à interpretação das normas de restrição da mobilidade no novo período do estado de emergência, provocada pelo anúncio da abertura que se dará, se os números se mantiverem, a partir do início de maio, várias famílias terão decidido viajar e aqui nota-se uma maior quantidade de carros em frente a casas que, durante a semana, estavam vazias.
Compreende-se que o cansaço do isolamento, o tempo de primavera e a convicção de que o pior já passou leve as pessoas a abrandarem a vigilância e a minimizarem a necessidade de manutenção do confinamento, mas desejo que não tenhamos nas próximas semanas novos números  na curva da epidemia, que nos mostrem, afinal, que nada devia ter  sido aligeirado.
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Hoje aproveitei a temperatura amena e fiz um passeio um pouco mais longo do que é habitual. Uma hora e cerca de 4 Kms, pelos novos arruamentos do empreendimento turístico vizinho da urbanização da Galé.
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16/04/2020

JÁ QUE ESTAMOS CONFINADOS...

Enquanto continuam a passar iguais e cada vez mais lentos os dias neste tempo de isolamento e de estado de emergência, que já se estende há cerca de um mês e se prevê que seja renovado pelo menos até ao princípio do próximo, é ainda muito pouco claro  como poderá vir a dar-se a tímida e prudentemente anunciada reabertura. Nestas circunstâncias, há que desenvolver estratégias para não nos deixarmos abater pela solidão e, especialmente, pelo aborrecimento.
A mim, o que me tem ajudado a melhor ocupar os dias é a cozinha. E de tal modo me tem ajudado, que tenho pensado que deve ser bem mais difícil estar encerrado em casa, para quem não sabe ou não gosta de cozinhar.
Não fiz ainda pão, como vejo nas redes sociais que muita gente terá feito, levando até ao desaparecimento do fermento em alguns dos supermercados. Afinal a ida à pequena padaria de Melides é a única saída para compras que me dá algum prazer. Pelos cuidados mostrados na higienização de tudo em que tocam os clientes e a  faladora moça que nos atende, como pelo magnífico aroma a pão alentejano -bem cozido- que nos chega, apesar do atendimento ser agora à porta.
Também não fiz bolos, que nunca fui grande doceira ao contrário da minha mãe, irmã e filha. Aliás ser-me-ia impossível fazê-los, mesmo que o quisesse. É que esse meu pouco interesse por doces -partilhado pelo L- levou a que não tenhamos sequer uma balança nesta casa. E toda a gente sabe que os bolos exigem quantidades de ingredientes rigorosamente pesados. Pelo sim e pelo não, já está anotada  a necessidade da compra de uma.
O meu prazer culinário é a confeção de almoços e jantares, com base no arroz, mas também nas massas, batatas, ou legumes.
Arroz de polvo -mesmo que este tenha sido comprado já pré-cozido- confecionado com um bom refogado de cebola branca e uma folha de louro, finalizado com bastante  salsa fresca picada;
Arroz de ervilhas, ou de tomate e pimento, para acompanhamento de qualquer carne ou peixe, grelhados ou fritos;
Arroz de frango, estufado apenas com vinho e sem tomate, um sabor da minha infância levado por mim e pela minha mãe para a infância dos meus filhos;
Arroz de peixe, com um acabamento de um bom molho de coentros frescos picados;
Massa de peixe, feita sobre um refogado de tomates e pimentos cortados em cubos e temperada com orégãos;
Couscous, em taboulet com cebola, tomate e outros legumes que se tenham à mão e temperados com hortelã fresca, ou misturados com cogumelos passados na frigideira em azeite, alho e coentros;
Grão em salada de bacalhau cru, ou com batatas e bacalhau cozido, ou em sopa feita na água de cozedura de carne e enchidos;
Feijão estufado com bacon, para acompanhar carne de porco frita;
Tortilha de batata e cebola, com ou sem umas rodelas do salpicão que ainda resiste desde o último fim de semana que o L passou comigo aqui na Galé;
Saladas variadas, algumas com atum ou sardinhas em conserva;
Sopas com quaisquer legumes que haja no frigorífico;
(...)
Não me preocupa especialmente que os meus dias atuais decorram entre atividades sem grande significado e que exigem muito pouco esforço intelectual. Como li num texto de Richard Zimler, focarmo-nos em coisas pequenas, de pouca importância e atemporais, pode ajudar-nos a não entrar em pânico e a sentirmo-nos em sintonia com o resto da humanidade.
E assim se passam os longos dias de confinamento, fintando o tempo cinzento  que teima em estar lá fora.
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14/04/2020

QUARTO FIM DE SEMANA DE RECOLHIMENTO DOMICILIÁRIO

DOMINGO DE PÁSCOA               .
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O fim de semana de Páscoa passou-se com regras ainda mais apertadas de isolamento e sem qualquer ideia de como ou quando esta situação acabará.
Mas esteve um agradável tempo de primavera, o que ajudou a mitigar a solidão.
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Aproveitando o serviço de take away da 'Cascalheira', um restaurante local com fornos de lenha, encomendei leitão para o almoço de domingo. E foi assim o meu dia de Páscoa.
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05/04/2020

TERCEIRO FIM DE SEMANA DE RECOLHIMENTO DOMICILIÁRIO

Completo hoje o 22º dia de isolamento social e afastamento do L. Devendo começar por dizer que não tem sido tão difícil quanto o seria se estivesse confinada a um  apartamento -que o jardim confere uma respiração diferente aos dias e a proximidade do mar num lugar praticamente deserto me permite, como já escrevi, longas caminhadas pela arriba ou pelo pinhal- também terei que registar que não é fácil gerir a saudade da companhia diária.
E o tempo começa a passar cada vez mais lento...
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Depois há também aquelas reações que não consigo controlar, como a ansiedade crescente com a lonjura em que se encontra o I e a tristeza por seguramente não podermos visitá-lo já este ano, como tínhamos programado. Uma e outra teimam em prolongar a insónia, por noites com horas cada vez mais longas.

Mas quando nasce o dia, depois das saudações matinais do L, raramente me lembro que será mais um rigorosamente igual ao anterior e até tento que o não seja. Distraio-me com as tarefas de limpeza da casa, as compras quando elas são necessárias, a confeção das refeições, o percurso pelas redes sociais e a tentativa, essa mais difícil, de me concentrar numa leitura ou outra.
Mesmo quando chove, como hoje acontece.
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